terça-feira, 6 de novembro de 2012

Classificação das Afasias na Infância



          A aquisição e o desenvolvimento dependem da integridade e do funcionamento normal e adequado de todo o sistema funcional neurológico.
          A capacidade que determina a possibilidade de falar e entender uma língua depende da passagem de potenciais neuronais por inúmeros circuitos do sistema centro encefálico.

DISTÚRBIOS DE LINGUAGEM EM CRIANÇAS PEQUENAS
          A denominação “distúrbios de linguagem” diz respeito a comprometimentos no curso evolutivo da aquisição da linguagem. Os distúrbios que mais comumente afetam o desenvolvimento da criança pequena são os chamados “retardos de aquisição da linguagem”. Crianças apresentando condições evolutivas favoráveis tendem a adquirir linguagem no decorrer do segundo ano de vida, entre 1 e 2 anos de idade. Algumas crianças já começam a ensaiar as primeiras palavras por volta do primeiro aniversário.  Outras começam mais tarde.
          A análise do chamado desenvolvimento normal se faz necessária porque pode nos fornecer elementos para uma melhor compreensão dos distúrbios da linguagem e, conseqüentemente, possibilitar a elaboração de um plano terapêutico mais eficaz.
          Falamos em crianças pequenas e em intervenção precoce. Sabemos que, realmente, quanto mais cedo os problemas puderem ser detectados e tratados, maiores serão as possibilidades de superação dos mesmos. Porém, infelizmente, temos visto crianças que só procuram um atendimento fonoaudiológico quando já estão com 3 ou 4 anos de idade. Ora, também sabemos que o período esperado para a aquisição de linguagem vai de 1 a 2 anos de idade. É difícil compreender como, tendo tais crianças ultrapassado os 2 anos sem adquirirem linguagem, chegando aos 3 ou até mesmo aos 4 anos sem terem desenvolvido as habilidades lingüísticas esperadas, não tenham sido encaminhadas para um exame ou tratamento fonoaudiológico.
          Muitas crianças, por volta do primeiro aniversário, começam a ensaiar suas primeiras palavras. Porém, antes de chegarem a esta forma verbal de linguagem, desenvolveram uma série de habilidades comunicativas mais gerais num plano pré-lingüístico. Para que esse desenvolvimento comunicativo anterior ao uso das palavras ocorresse e fosse garantindo o aparecimento de formas lingüísticas mais evoluídas, algumas condições se fizeram necessárias.
Vamos apontar seis destes fatores determinantes do desenvolvimento da comunicação infantil:
         1. A criança necessita ter uma razão ou motivo para se comunicar: uma intenção.
          2. Há necessidade de se ter algo para comunicar: um conteúdo.
          3. É também necessário um meio de comunicação: uma forma.
          4. Há necessidade de se ter pessoas com quem se comunicar: um parceiro.
     5. Há que se terem condições favoráveis para a interação: uma situação ou contexto.
        6. A criança também necessita ter capacidades cognitivas favoráveis para atuar sobre o mundo e compreendê-lo.
          Temos assim esboçado, seis importantes fatores que, combinados, asseguram ou criam condições favoráveis para o desenvolvimento de capacidades comunicativas. Como podemos notar, a comunicação tem, em sua origem, uma função nitidamente social. A criança, interagindo com as pessoas e com as coisas, organiza experiências, constrói conhecimentos, sente desejos, ou seja, elabora os conteúdos de sua atividade mental e isto graças à sua atividade cognitiva. São estes conteúdos que irá comunicar, por alguma razão: porque deseja um objeto que não está ao seu alcance e quer expressar este desejo para que possa ter acesso ao objeto; porque quer chamar a atenção para algo que está vendo acontecer e quer partilhar com o adulto ou, ainda, porque quer chamar atenção sobre si mesma. Para que tudo isto seja possível, isto é, a fim de que suas intenções, experiências ou desejos sejam expressos, a criança necessita lançar mão de alguma forma de comunicação que pode ser um meio verbal, ou não-verbal, dependendo de suas possibilidades.
          A pessoa ou parceiro com quem a criança quer se comunicar pode ser alguém que está próximo a ela. Mas não basta simplesmente a criança ter uma razão para se comunicar e tomar a iniciativa. O adulto deve estar receptivo, atento, tem que estar sensível aos esforços comunicativos que a criança está fazendo, tem que ser capaz de atribuir significação aos mesmos e isto faz parte das condições favoráveis para a interação.
          Antes de ser capaz de empregar recursos lingüísticos para a comunicação, a criança desenvolvem meios não-verbais e isto acontece gradativamente graças às experiências interativas que vai tendo com os outros. Desde seu nascimento, ela tem oportunidades de tomar parte de eventos que possuem um caráter comunicativo, que implicam em relações com as pessoas que estão ao seu lado. Como conseqüência de tais vivências interativas e comunicativas, a criança vai adquirindo formas de manifestar seus conteúdos mentais, assim como também vai desenvolvendo estratégias para compreender os desejos e as intenções dos outros.

AFASIA
          Muitas são as definições encontradas para este distúrbio e elas são de certa forma, coincidentes. Entre elas, citamos a definição dada por COUDRY (1988)1 e a de LAPOINTE (1977)2:
          1 “A afasia se caracteriza por alteração de processos lingüísticos de significação de origem articulatória e discursiva (nesta incluídos aspectos gramaticais) produzida por lesão focal adquirida no sistema nervoso central, em zonas responsáveis pela linguagem, podendo ou não se associar a alterações de outros processos cognitivos.”.

                 “A afasia é um distúrbio lingüístico-simbólico.”.

          Na perspectiva neurológica = “afasia é a perda ou prejuízo da função da linguagem causada por lesão cerebral” (Benson, 1998).
          Na perspectiva lingüística = “afasia é uma perturbação no processo de significação em que há alteração em um dos níveis lingüísticos com repercussão em outros. Causada por lesão adquirida no SNC em virtude de AVCs, TCEs ou tumores, a afasia é em geral acompanhada por alterações de outros processos cognitivos (agnosias, apraxias, discalculia, etc.) e de outros sinais neurológicos (como a hemiplegia, por exemplo)”. (“Coudry & Possenti, 1993)”. Compromete um nível lingüístico, que consequentemente compromete os outros níveis lingüísticos. (perda da linguagem).
40 FonoNo início do estudo destes “distúrbios de linguagem” decorrentes de lesões cerebrais houve necessidade de se conhecer amplamente as manifestações, e, a partir desta necessidade, surgiu um grande número de definições dos quadros e de taxonomias. Atualmente, com exceção do quadro de afasia progressiva primária, recentemente descrita enquanto entidade clínica (MESULAM, 1982), todos os outros quadros foram amplamente descritos. No entanto, tentar “colocar” o sujeito afásico num destes quadros com o intuito de “realizar o diagnóstico” pode não trazer, necessariamente, resoluções para a atuação terapêutica. No entanto, é interessante conhecê-las e elas possuem utilidade principalmente quando realizamos a discussão multidisciplinar, sendo importante que todos tenham noção das manifestações que estão presentes nos quadros, quando certa nomenclatura é utilizada.
          Antes de entrarmos na classificação propriamente dita, vamos definir os sintomas que podem estar presentes nos quadros:
          Desvio fonético ou parafasia fonética – É uma alteração de fala, caracterizada por uma distorção na produção dos fonemas, sendo estes mal pronunciados.
          Desvio fonêmico – É uma alteração caracterizada por uma inadequação na seleção do fonema ou na combinação dos fonemas na cadeia da fala. Tal alteração pode se manifestar como trocas, omissões, acréscimos de fonemas ou de sílabas. É também chamado de parafasia fonêmica, em substituições como em cavalo por cajalo/vacalo, entre outras possíveis; e de parafasia verbal formal, quando a troca, substituição, omissão ou acréscimo origina outra palavra da língua, no entanto, é importante ressaltar que esta não é uma troca semântica. É o que ocorreria na ocorrência de “calo” na tentativa de emissão de cavalo, de “mato” ou “gato” na tentativa de pato. Estas mesmas manifestações, quando ocorrem na escrita, são chamadas, respectivamente, de paragrafia literal e paragrafia verbal formal ou grafêmica.
          Estereotipias – Repetições perseverativas e involuntárias de um determinado comportamento. Elas podem ocorrer na comunicação oral e/ou na gráfica e, às vezes, a estereotipia é uma palavra ou expressão conhecida ou também pode ser uma seqüência fonêmica ou grafêmica sem significado. Por exemplo, um sujeito que ao falar só emite “opa” e outro que ao falar só emite “untá”; um sujeito que na escrita, independente do estímulo solicitado, só emite “iea” e outro, que sempre assina o nome.
          Agramatismo – É uma alteração na estrutura sintáxica, caracterizada pela omissão de elementos gramaticais. Tais alterações podem variar quanto à severidade, sendo mais comum à omissão de elementos de classe fechada, que não têm representação extralinguística, como artigos, preposições, conectivos, ou seja, as palavras gramaticais tendem a ser eliminadas da fala, permanecendo as lexicais. GLEASON e cols. (1975) afirmaram que a prosódia também deve ser considerada nas manifestações gramaticais “... a influência de elementos prosódicos é determinante na aniquilação ou não de uma palavra com função gramatical.” Tal manifestação pode ocorrer tanto na fala quanto na escrita.
          Redução – Diminuição do número de enunciados numa unidade de tempo.
          Parafasia semântica – É uma troca de um vocábulo por outro, estando os dois relacionados semanticamente. Por exemplo, o paciente ao tencionar dizer caneta, diz lápis. Quando os termos têm relação semântica tão estreita como no exemplo dado, pudesse falar também em desvio vocabular; quando o sujeito, ao tentar dizer uma palavra, a substitui por uma frase, temos a paráfrase e para o mesmo exemplo dado ele poderia dizer “aquilo com que se escreve”; e, finalmente, quando o indivíduo não consegue acessar o léxico, permanecendo um vazio/lacuna em seu enunciado, temos a anomia. Estes comportamentos também podem ser observados em provas específicas como a de nomeação.
          Neologismos – São seqüências fonêmicas ou grafêmicas que obedecem às regras da língua, assemelhando-se às palavras, mas que não existem na língua, não sendo compreendidas pelos interlocutores e não estando dicionarizadas. Por exemplo: “eu fui pegar um necape”; uma fala/escrita repleta de neologismos se torna um jargão, incompreensível aos ouvintes e esta manifestação também recebe o nome de jargonafasia – quando ocorre na fala, ou jargonografia – quando ocorre na escrita.
          Supressão – É ausência total de uma emissão oral ou gráfica.
          Em suma, observa-se que as manifestações até então descritas são estruturais e estão restritas às palavras e frases. Devem-se observar suas ocorrências, mas, para se fazer uma avaliação, faz-se necessário também avaliar o nível discursivo.


AFASIA ARQUIRIDA NA INFÂNCIA
          Os distúrbios da linguagem falada na infância podem ser divididos em distúrbios de desenvolvimento e distúrbios adquiridos (Ludlow, 1980). Os distúrbios de desenvolvimento são os que primeiro aparecem durante o surgimento da linguagem (entre o nascimento e o primeiro ano de vida). Consequentemente, as crianças com esse tipo de distúrbio nunca poderão ter um desenvolvimento normal da linguagem. Embora normalmente se presuma que ele seja causado por alteração no Sistema Nervoso, na maioria dos casos tem origem idiopática (causas desconhecidas). Os distúrbios de desenvolvimento da linguagem falada podem, de qualquer jeito, vir associados a perdas periféricas da audição, retardo mental, paralisia cerebral, autismo, traumatismo de parto e falta de estimulação essencial.
          Os distúrbios adquiridos de linguagem, por outro lado, são distribuídos na linguagem falada que resulta de algum dano cerebral depois de começada a aquisição da linguagem (Hecaen, 1976). Esse dano cerebral pode ter uma variedade de etiologias, incluindo traumatismo craniano, tumor cerebral, acidente vascular cerebral, infecções, crises convulsivas (epilepsia incurável) e eletroencefalograma anormal (Miller et. Al., 1984). Consequentemente, essas crianças começam a adquirir normalmente a linguagem e vai desenvolver-se até que ocorra algum prejuízo.
          Dos dois tipos de distúrbios de linguagem que ocorrem na infância, o adquirido é o que mais se assemelha aos distúrbios adquiridos de comunicação que ocorrem nos adultos.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA AFASIA NA INFÂNCIA
          Crianças com distúrbio0s adquiridos de linguagem são classificadas como tendo afasia adquirida. As características clínicas desse tipo de afasia se manifestam de forma diferente nas crianças e nos adultos. Em particular são duas as diferenças mais importantes. A primeira, é que o processo de recuperação é mais rápido e complexo nas crianças (Lenneberg, 1967). A segunda, na maioria dos casos, na afasia adquirida na infância há a perda da fluência, há traços de mutismo e há a falta de espontaneidade na fala (Alajouanine e Lhermitte, 1965; Hecaen, 1976; Fletcher e Taylor, 1984). Além disso, com raras exceções a afasia adquirida na infância não apresenta os mesmos sintomas da afasia clássica, descrita nos adultos.
          Embora existam várias informações na literatura. Os sintomas mais encontrados nos estudos clássicos para caracterizar a afasia adquirida na infância incluem mutismo inicial (diminuição da espontaneidade na fala) seguido de um período de redução na iniciativa da fala; sintaxe simplificada (expressão telegráfica); habilidades de compreensão prejudicada (particularmente no primeiro estágio do problema); prejuízo na nomeação; disartria; e distúrbios na leitura e escrita (já num estágio mais avançado). A maioria dos autores sugere que a afasia fluente e as desordens na linguagem oral como parafasias verbais e literais, logorréia e perseverações, raramente são encontradas nas crianças como afasia adquirida. Isso é, de qualquer jeito, evidenciado para sugerir que a idade da criança pode interferir nos sintomas que vão aparecer. Alguns autores têm a opinião de que, em primeiro lugar, as afasias não-fluentes ocorrem predominantemente em crianças que apresentam o início da afasia com menos de 10 anos de idade (Poetzl, 1926; Guttmann, 1942; Alajouanine e Lhermitte, 1965). Por exemplo, Alajouanine e Lhermitte (1965) descobriram que as características marcantes da afasia adquirida em crianças menores de 10 anos incluem diminuição da compreensão, prejuízo severo da escrita e não-logorréia, parafasias ou perseverações. Esses mesmos autores informaram que esse tipo de afasia em crianças com mais de 10 anos de idade é a forma mais comum de afasia, com parafasias, menor freqüência de problemas articulatórios, desintegração fonética e distúrbios da linguagem escrita. Outros autores são de opinião que a afasia não fluente é o tipo de afasia presente tanto em crianças mais velhas com em mais novas (Basser, 1962; Benson, 1972; Assal e Campiche, 1973; Hecaen, 1976). Nos últimos anos, a descrição clássica sobre afasia adquirida na infância tem sido questionada por estudos que provaram que a afasia fluente com parafasias pode ser apresentada por crianças em estágio inicial.
          As crianças com lesões que envolvem o centro posterior da linguagem apresentam uma menor freqüência de afasia fluente do que os adultos com o mesmo tipo de lesão.
          A ocorrência da redução na capacidade de expressão oral, escrita e gestual tem sido relatada em crianças com afasia adquirida (Alajouanine e Lhermitte, 1965). Estudos indicam que o mutismo é o primeiro sintoma que aparece nesse tio de afasia.
          Seguindo o período de mutismo, onde a fala retorna, encontramos frequentemente, um período durante o qual a criança não se encontra disposta a falar (Guttmann, 1942; Alajouanine e Lhermitte, 1965). Esse período tem sido descrito como representando uma perda ou redução da “iniciativa da fala” (Hecaen, 1976, 1983). São necessários aumento do incentivo e estímulo nesse período para que a criança produza as palavras que formos capazes.
          Aram Ekelman e Whitaker (1986) estudaram a espontaneidade na sintaxe da fala de 16  crianças com lesões cerebrais adquiridas tanto no hemisfério esquerdo como no direito e comparou os resultados com sujeitos de um grupo-controle apropriadamente selecionados. Esses autores descobriram que crianças com lesão unilateral no hemisfério esquerdo se encontram pior na produção de sintaxes usadas (incluindo estruturas de sentenças simples e complexas) do que no controle do assunto falado. Especificamente, as crianças com lesão nesse hemisfério têm um período menor de compreensão das expressões baixo pontos no desenvolvimento das seqüências, menor porcentagem do total das sentenças corretas, menor número de verbos principais e interrogações, usam de poucas sentenças com conjunções e têm uma boa porcentagem na produção das sentenças complexas em comparação com as crianças do grupo-controle. Por outro lado, a limitação da sintaxe das crianças com lesão no hemisfério direito causa primeiramente erros na produção das sintaxes simples e são menos severos do que os erros sintáticos encontrados em pessoas com lesão no lado esquerdo. Eles apresentavam um período menor de compreensão das expressões, produziam maior número de erros do desenvolvimento inicial da linguagem do que os sujeitos do grupo-controle.  
          Embora haja acordo de que os problemas de linguagem expressiva sejam comuns em crianças com afasia adquirida, eles têm sido bastante debatidos nos últimos anos no que diz respeito à presença de déficit na compreensão, nesse grupo de crianças. A maioria das pesquisas recentes nesse campo considerou o prejuízo na capacidade de compreensão como sendo raro em crianças com afasia adquirida (Bernhardt, 19885; Guttmann, 1942). Alajouanine e Lhermitte (1965) relataram à presença de prejuízo na compreensão em cerca de um terço dos casos analisados por eles. Foi sugerido por Hecaen (1976, 1983) que, quando estão presentes distúrbios na compreensão, ocorrem exclusivamente nos primeiros estágios e desaparecem rapidamente e, em alguns casos, completamente.
          A diminuição verbal ou o empobrecimento do léxico é outro sintoma da afasia adquirida na infância (Bernahrdt, 19885; Alajouanine e Lhermitte, 1965; Collingnon, Hecaen e Anerlerques, 1968). Isso foi divulgado por Hecaen (1983) como acontecendo em estágios mais avançados. Ele relatou que 44% da sua amostragem tinham problemas de nomeação (não de parafasias), que tendem a persistir. De fato, Hecaen (1983) observou que problemas de nomeação estão normalmente presentes quando a criança volta à escola, e este problema é sempre explicitamente mencionado nas suas avaliações escolares.
          A incerteza é logo notada na fala dessas crianças por vários autores (por exemplo, Benhardt, 19885; Guttmann, 1942). É possível que isso seja resultado da disartria às vezes encontrada nessas crianças (Gurrmann, 1942; Hecaen, 1976, 1983), ou o resultado de problemas na escolha das palavras que ocorrem nesses casos.  
      Uma vaga desordem referida a “problema na leitura” é frequentemente incluída pelos autores na lista de sintomas característicos de uma afasia adquirida na infância. Alajouanine e Lhermitte (1965), por exemplo, encontraram a presença de “problemas na leitura” em 18 das 32 crianças estudadas. Infelizmente, a maioria dos estudos encontrados nas literaturas não se tem esforçado para determinar a natureza do distúrbio de leitura em todos os seus detalhes, mas somente em documentar as conclusões.      
          O déficit na escrita também é uma característica comum na afasia adquirida na infância (Branco-Lefevre, 1950; Alajouanine e Lhermitte, 1965; Hecaen, 1976, 1983). Alajouanine e Lhermitte observaram que a linguagem escrita das 32 crianças estudadas por eles estava prejudicada, com distúrbio severo na escrita espontânea, no ditado e em cópia em mais da metade das crianças testadas. Em 25 % dos casos, somente a cópia estava íntegra. Disortografia (os erros de escrita eram frequentemente baseados em distúrbios fonéticos) era também encontrada em escrita espontânea e no ditado de números (cinco em 32 casos).  Hecaen (1976) descreveu o distúrbio na escrita como sendo o mais freqüente, o mais persistente e o mais variável de todos os sintomas dessa afasia.
          A afasia fluente foi estudada por Van Donen, Loonen e Van Donen (1985) em três dos 27 casos de crianças com afasia adquirida que freqüentaram seus consultórios por períodos maiores do que quatro anos. Seus estudos demonstram que a afasia fluente que ocorre em adulto pode ocorrer em crianças menores de 10 anos e, consequentemente, eles mudaram suas visões de que a afasia adquirida é sempre não-fluente e livre de parafasias. Embora essas três crianças tivessem lesões posteriores, esses autores enfatizaram que a afasia fluente em crianças nem sempre é resultado de lesões posteriores.
          O caso de afasia de Wernicke num garoto de 10 anos de idade resultante de um simples herpes encefálico foi descrito por Van Hout e Lyon (1986). Os sintomas existentes nesse caso eram semelhantes aos adultos com afasia de Wernicke e incluía um déficit severo na compreensão, a produção de jargões, logorréia e anosognosia.
          Visch-Brink e Van de Sandt-Koenderman (1984) sugeriram que é possível a presença ou não do neologismo na fala espontânea de crianças com afasia adquirida, dependendo do estágio em que essas foram examinadas. Em seu estudo, as crianças foram examinadas dentro de poucos dias e os neologismos registrados. Por outro lado, Alajouanine e Lhermitte (1965) fizeram essas observações em diversos meses após o problemas e não registraram a presença de neologismo na fala espontânea das crianças. É possível, portanto, que pelo tempo que os sujeitos foram estudados, o número de sintomas, incluindo a presença de neologismo, tenha desaparecido.

RECUPERAÇÃO DA AFASIA ADQUIRIDA NA INFÂNCIA
          As consequências das lesões cerebrais nas crianças são geralmente consideradas como menos graves do que nos adultos (Basser, 1962; Teuber, 1975). Consequentemente é geralmente aceito que o prognóstico para recuperação nas crianças é bem melhor do que o esperado nos adultos (Guttmann, 1942; Basser, 1962; Alajouanine e Lhermitte, 1965; Lenneberg, 1967).
          Outra explicação dada para a freqüência de uma boa recuperação nas crianças com afasia adquirida é de que ambos os hemisférios apresentam mecanismos para a linguagem e, assim sendo, a linguagem não precisa ser reaprendida pelo hemisfério não-dominante. Em circunstâncias normas, na maioria das crianças, os mecanismos da linguagem no hemisfério direito são inibidos pelos do lado esquerdo, já que somente o hemisfério esquerdo desenvolve as funções complexas da linguagem de forma completa. De acordo com isso, o dano no hemisfério esquerdo em crianças causa “um desengate na inibição” no hemisfério direito, permitindo que este assuma um ótimo papel no funcionamento da linguagem.
           Concomitantemente, os distúrbios neurológicos representam outra variável que tem sido implicada como um fator que influencia na recuperação das crianças com afasia adquirida. Como nos casos onde o prognóstico varia, os artigos da literatura relatam à importância dos sinais neurológicos associados como sendo prognóstico indicador, tendendo a ser contraditório. Lange-Cosack e Tepfner (1973) afirmaram que é mínimo ou não-recorrente o número de pessoas com afasia adquirida, que tenha ficado de coma por mais de sete dias. Por outro lado, Hecaen (1976) questionou a importância do estado de coma na indicação do prognóstico nesses casos; ele não conseguiu demonstrar a relação clara entre a ocorrência e a duração do coma e a severidade e persistência do déficit de linguagem.     
          Embora um número de fatores diferentes tenha sido sugerido como sendo um prognóstico significante nas afasias adquiridas, geralmente tem uma quantidade insuficiente de informações disponíveis para determinar qual desses fatores são favoráveis ou desfavoráveis para a recuperação.

AFASIA DE DIFERENTES ETIOLOGIAS ADQUIRIDA NA INFÂNCIA
          As características clínicas gerais da afasia adquirida na infância, descritas previamente, são em grande parte baseadas nos estudos com crianças afásicas de várias etiologias, incluindo trauma, lesões vasculares, tumores, infecções e distúrbios convulsivos. Assim como a etiologia influencia o prognóstico para recuperação da função da linguagem, existem algumas evidências de que a etiologia também tem uma influência importante no tipo de afasia apresentada. Há uma possibilidade de verificar-se que os efeitos das lesões na linguagem com começo demorado (tumores) não são os mesmos do que nas lesões com começo rápido (acidentes vasculares cerebrais e traumatismo cerebral). Crianças que sofreram traumatismo craniano, tipicamente, apresentam déficit expressivo da linguagem e uma boa recuperação. Nos casos de afasia adquirida na infância, seguida de lesão vascular, o prognóstico é pior e os sintomas da afasia, mais variáveis e mais persistentes (Guttmann, 1942; Van Dongen e Loonen, 1977). Consequentemente existe a necessidade de examinarem-se as características clínicas associadas à afasia da infância, levando-se em consideração à etiologia.


CONCLUSÃO
          Embora se tenha acreditado, por um longo tempo,  que a afasia adquirida na infância era principalmente do tipo não-fluente, nos anos recentes acredita-se que esse pensamento tenha mudado com estudos que vêm demonstrando que as afasias fluentes podem ser observadas em crianças, se os exames da linguagem forem feitos precocemente. Pode-se dizer, agora, que a etiologia não determina o tipo de afasia em crianças. Claramente existe necessidade de maiores investigações para maior esclarecimento das características específicas dos déficits de fala-linguagem associados a vários distúrbios neurológicos que podem causar afasia adquirida na infância.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Assumpção Jr. F. b. & Curátolo E. Psiquiatria Infantil – Guia Prático; Baruari, SP: Manole, 2004.

Murdoch B. E. Desenvolvimento da Fala e Distúrbios da Linguagem – Uma abordagem neuroanatômica e neurofisiológica; Rio de Janeiro, RJ. Revinter Ltda, 1997.

Lopes F. O. Tratado de Fonoaudiologia; São Paulo, SP: ROCA, 1997.

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