A aquisição e o desenvolvimento dependem da integridade e do funcionamento normal e adequado de todo o sistema funcional neurológico.
A
capacidade que determina a possibilidade de falar e entender uma língua depende
da passagem de potenciais neuronais por inúmeros circuitos do sistema centro encefálico.
DISTÚRBIOS DE LINGUAGEM EM
CRIANÇAS PEQUENAS
A denominação “distúrbios de
linguagem” diz respeito a comprometimentos no curso evolutivo da aquisição da
linguagem. Os distúrbios que mais comumente afetam o desenvolvimento da criança
pequena são os chamados “retardos de aquisição da linguagem”. Crianças
apresentando condições evolutivas favoráveis tendem a adquirir linguagem no
decorrer do segundo ano de vida, entre 1 e 2 anos de idade. Algumas crianças já
começam a ensaiar as primeiras palavras por volta do primeiro
aniversário. Outras começam mais tarde.
A
análise do chamado desenvolvimento normal se faz necessária porque pode nos
fornecer elementos para uma melhor compreensão dos distúrbios da linguagem e,
conseqüentemente, possibilitar a elaboração de um plano terapêutico mais
eficaz.
Falamos em crianças pequenas e em intervenção precoce. Sabemos que, realmente,
quanto mais cedo os problemas puderem ser detectados e tratados, maiores serão
as possibilidades de superação dos mesmos. Porém, infelizmente, temos visto
crianças que só procuram um atendimento fonoaudiológico quando já estão com 3
ou 4 anos de idade. Ora, também sabemos que o período esperado para a aquisição
de linguagem vai de 1 a 2 anos de idade. É difícil compreender como,
tendo tais crianças ultrapassado os 2 anos sem adquirirem linguagem, chegando
aos 3 ou até mesmo aos 4 anos sem terem desenvolvido as habilidades
lingüísticas esperadas, não tenham sido encaminhadas para um exame ou
tratamento fonoaudiológico.
Muitas
crianças, por volta do primeiro aniversário, começam a ensaiar suas primeiras
palavras. Porém, antes de chegarem a esta forma verbal de linguagem,
desenvolveram uma série de habilidades comunicativas mais gerais num plano
pré-lingüístico. Para que esse desenvolvimento comunicativo anterior ao uso das
palavras ocorresse e fosse garantindo o aparecimento de formas lingüísticas
mais evoluídas, algumas condições se fizeram necessárias.
Vamos apontar seis destes fatores determinantes do
desenvolvimento da comunicação infantil:
1.
A criança necessita ter uma razão ou motivo para se comunicar: uma
intenção.
2. Há
necessidade de se ter algo para comunicar: um conteúdo.
3. É
também necessário um meio de comunicação: uma forma.
4. Há
necessidade de se ter pessoas com quem se comunicar: um parceiro.
5. Há
que se terem condições favoráveis para a interação: uma situação ou contexto.
6.
A criança também necessita ter capacidades cognitivas favoráveis para
atuar sobre o mundo e compreendê-lo.
Temos
assim esboçado, seis importantes fatores que, combinados, asseguram ou criam
condições favoráveis para o desenvolvimento de capacidades comunicativas. Como
podemos notar, a comunicação tem, em sua origem, uma função nitidamente social.
A criança, interagindo com as pessoas e com as coisas, organiza experiências,
constrói conhecimentos, sente desejos, ou seja, elabora os conteúdos de sua atividade
mental e isto graças à sua atividade cognitiva. São estes conteúdos que irá
comunicar, por alguma razão: porque deseja um objeto que não está ao seu
alcance e quer expressar este desejo para que possa ter acesso ao objeto;
porque quer chamar a atenção para algo que está vendo acontecer e quer
partilhar com o adulto ou, ainda, porque quer chamar atenção sobre si mesma.
Para que tudo isto seja possível, isto é, a fim de que suas intenções,
experiências ou desejos sejam expressos, a criança necessita lançar mão de
alguma forma de comunicação que pode ser um meio verbal, ou não-verbal,
dependendo de suas possibilidades.
A
pessoa ou parceiro com quem a criança quer se comunicar pode ser alguém que
está próximo a ela. Mas não basta simplesmente a criança ter uma razão para se
comunicar e tomar a iniciativa. O adulto deve estar receptivo, atento, tem que
estar sensível aos esforços comunicativos que a criança está fazendo, tem que
ser capaz de atribuir significação aos mesmos e isto faz parte das condições
favoráveis para a interação.
Antes
de ser capaz de empregar recursos lingüísticos para a comunicação, a criança desenvolvem
meios não-verbais e isto acontece gradativamente graças às experiências
interativas que vai tendo com os outros. Desde seu nascimento, ela tem
oportunidades de tomar parte de eventos que possuem um caráter comunicativo,
que implicam em relações com as pessoas que estão ao seu lado. Como
conseqüência de tais vivências interativas e comunicativas, a criança vai adquirindo
formas de manifestar seus conteúdos mentais, assim como também vai
desenvolvendo estratégias para compreender os desejos e as intenções dos
outros.
AFASIA
Muitas
são as definições encontradas para este distúrbio e elas são de certa forma,
coincidentes. Entre elas, citamos a definição dada por COUDRY (1988)1 e a de
LAPOINTE (1977)2:
1 “A
afasia se caracteriza por alteração de processos lingüísticos de significação
de origem articulatória e discursiva (nesta incluídos aspectos gramaticais)
produzida por lesão focal adquirida no sistema nervoso central, em zonas
responsáveis pela linguagem, podendo ou não se associar a alterações de outros
processos cognitivos.”.
“A
afasia é um distúrbio lingüístico-simbólico.”.
Na
perspectiva neurológica = “afasia é a perda ou prejuízo da função da linguagem
causada por lesão cerebral” (Benson, 1998).
Na
perspectiva lingüística = “afasia é uma perturbação no processo de significação
em que há alteração em um dos níveis lingüísticos com repercussão em
outros. Causada por lesão adquirida no SNC em virtude de AVCs, TCEs ou
tumores, a afasia é em geral acompanhada por alterações de outros processos
cognitivos (agnosias, apraxias, discalculia, etc.) e de outros sinais neurológicos
(como a hemiplegia, por exemplo)”. (“Coudry & Possenti, 1993)”. Compromete
um nível lingüístico, que consequentemente compromete os outros níveis
lingüísticos. (perda da linguagem).
40 FonoNo início do estudo destes
“distúrbios de linguagem” decorrentes de lesões cerebrais houve necessidade de
se conhecer amplamente as manifestações, e, a partir desta necessidade, surgiu
um grande número de definições dos quadros e de taxonomias. Atualmente, com
exceção do quadro de afasia progressiva primária, recentemente descrita
enquanto entidade clínica (MESULAM, 1982), todos os outros quadros foram
amplamente descritos. No entanto, tentar “colocar” o sujeito afásico num destes
quadros com o intuito de “realizar o diagnóstico” pode não trazer,
necessariamente, resoluções para a atuação terapêutica. No entanto, é
interessante conhecê-las e elas possuem utilidade principalmente quando
realizamos a discussão multidisciplinar, sendo importante que todos tenham
noção das manifestações que estão presentes nos quadros, quando certa
nomenclatura é utilizada.
Antes
de entrarmos na classificação propriamente dita, vamos definir os sintomas que
podem estar presentes nos quadros:
Desvio fonético ou parafasia fonética –
É uma alteração de fala, caracterizada por uma distorção na produção dos
fonemas, sendo estes mal pronunciados.
Desvio fonêmico – É
uma alteração caracterizada por uma inadequação na seleção do fonema ou na
combinação dos fonemas na cadeia da fala. Tal alteração pode se manifestar como
trocas, omissões, acréscimos de fonemas ou de sílabas. É também chamado de
parafasia fonêmica, em substituições como em cavalo por cajalo/vacalo, entre
outras possíveis; e de parafasia verbal formal, quando a troca, substituição,
omissão ou acréscimo origina outra palavra da língua, no entanto, é importante
ressaltar que esta não é uma troca semântica. É o que ocorreria na ocorrência
de “calo” na tentativa de emissão de cavalo, de “mato” ou “gato” na tentativa
de pato. Estas mesmas manifestações, quando ocorrem na escrita, são chamadas,
respectivamente, de paragrafia literal e paragrafia verbal formal ou grafêmica.
Estereotipias – Repetições
perseverativas e involuntárias de um determinado comportamento. Elas podem
ocorrer na comunicação oral e/ou na gráfica e, às vezes, a estereotipia é uma
palavra ou expressão conhecida ou também pode ser uma seqüência fonêmica ou
grafêmica sem significado. Por exemplo, um sujeito que ao falar só emite “opa”
e outro que ao falar só emite “untá”; um sujeito que na escrita, independente
do estímulo solicitado, só emite “iea” e outro, que sempre assina o nome.
Agramatismo – É uma alteração na
estrutura sintáxica, caracterizada pela omissão de elementos gramaticais. Tais
alterações podem variar quanto à severidade, sendo mais comum à omissão de
elementos de classe fechada, que não têm representação extralinguística, como
artigos, preposições, conectivos, ou seja, as palavras gramaticais tendem a ser
eliminadas da fala, permanecendo as lexicais. GLEASON e cols. (1975) afirmaram
que a prosódia também deve ser considerada nas manifestações gramaticais “... a
influência de elementos prosódicos é determinante na aniquilação ou não de uma
palavra com função gramatical.” Tal manifestação pode ocorrer tanto na fala
quanto na escrita.
Redução –
Diminuição do número de enunciados numa unidade de tempo.
Parafasia semântica –
É uma troca de um vocábulo por outro, estando os dois relacionados semanticamente.
Por exemplo, o paciente ao tencionar dizer caneta, diz lápis. Quando os termos
têm relação semântica tão estreita como no exemplo dado, pudesse falar também
em desvio vocabular; quando o sujeito, ao tentar dizer uma palavra, a substitui
por uma frase, temos a paráfrase e para o mesmo exemplo dado ele poderia dizer
“aquilo com que se escreve”; e, finalmente, quando o indivíduo não consegue
acessar o léxico, permanecendo um vazio/lacuna em seu enunciado, temos a
anomia. Estes comportamentos também podem ser observados em provas específicas
como a de nomeação.
Neologismos – São
seqüências fonêmicas ou grafêmicas que obedecem às regras da língua,
assemelhando-se às palavras, mas que não existem na língua, não sendo
compreendidas pelos interlocutores e não estando dicionarizadas. Por exemplo:
“eu fui pegar um necape”; uma fala/escrita repleta de neologismos se torna um
jargão, incompreensível aos ouvintes e esta manifestação também recebe o nome
de jargonafasia – quando ocorre na fala, ou jargonografia – quando ocorre na
escrita.
Supressão – É ausência total de
uma emissão oral ou gráfica.
Em
suma, observa-se que as manifestações até então descritas são estruturais e
estão restritas às palavras e frases. Devem-se observar suas ocorrências, mas,
para se fazer uma avaliação, faz-se necessário também avaliar o nível
discursivo.
AFASIA ARQUIRIDA NA INFÂNCIA
Os
distúrbios da linguagem falada na infância podem ser divididos em distúrbios de
desenvolvimento e distúrbios adquiridos (Ludlow, 1980). Os distúrbios de
desenvolvimento são os que primeiro aparecem durante o surgimento da linguagem
(entre o nascimento e o primeiro ano de vida). Consequentemente, as crianças
com esse tipo de distúrbio nunca poderão ter um desenvolvimento normal da
linguagem. Embora normalmente se presuma que ele seja causado por alteração no
Sistema Nervoso, na maioria dos casos tem origem idiopática (causas
desconhecidas). Os distúrbios de desenvolvimento da linguagem falada podem, de
qualquer jeito, vir associados a perdas periféricas da audição, retardo mental,
paralisia cerebral, autismo, traumatismo de parto e falta de estimulação
essencial.
Os
distúrbios adquiridos de linguagem, por outro lado, são distribuídos na
linguagem falada que resulta de algum dano cerebral depois de começada a
aquisição da linguagem (Hecaen, 1976). Esse dano cerebral pode ter uma variedade
de etiologias, incluindo traumatismo craniano, tumor cerebral, acidente
vascular cerebral, infecções, crises convulsivas (epilepsia incurável) e
eletroencefalograma anormal (Miller et. Al., 1984). Consequentemente, essas
crianças começam a adquirir normalmente a linguagem e vai desenvolver-se até
que ocorra algum prejuízo.
Dos
dois tipos de distúrbios de linguagem que ocorrem na infância, o adquirido é o
que mais se assemelha aos distúrbios adquiridos de comunicação que ocorrem nos
adultos.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA AFASIA
NA INFÂNCIA
Crianças com distúrbio0s adquiridos de linguagem são classificadas como tendo
afasia adquirida. As características clínicas desse tipo de afasia se
manifestam de forma diferente nas crianças e nos adultos. Em particular são
duas as diferenças mais importantes. A primeira, é que o processo de
recuperação é mais rápido e complexo nas crianças (Lenneberg, 1967). A segunda,
na maioria dos casos, na afasia adquirida na infância há a perda da fluência,
há traços de mutismo e há a falta de espontaneidade na fala (Alajouanine e
Lhermitte, 1965; Hecaen, 1976; Fletcher e Taylor, 1984). Além disso, com raras
exceções a afasia adquirida na infância não apresenta os mesmos sintomas da
afasia clássica, descrita nos adultos.
Embora
existam várias informações na literatura. Os sintomas mais encontrados nos
estudos clássicos para caracterizar a afasia adquirida na infância incluem
mutismo inicial (diminuição da espontaneidade na fala) seguido de um período de
redução na iniciativa da fala; sintaxe simplificada (expressão telegráfica);
habilidades de compreensão prejudicada (particularmente no primeiro estágio do
problema); prejuízo na nomeação; disartria; e distúrbios na leitura e escrita
(já num estágio mais avançado). A maioria dos autores sugere que a afasia
fluente e as desordens na linguagem oral como parafasias verbais e literais,
logorréia e perseverações, raramente são encontradas nas crianças como afasia
adquirida. Isso é, de qualquer jeito, evidenciado para sugerir que a idade da
criança pode interferir nos sintomas que vão aparecer. Alguns autores têm a
opinião de que, em primeiro lugar, as afasias não-fluentes ocorrem
predominantemente em crianças que apresentam o início da afasia com menos de 10
anos de idade (Poetzl, 1926; Guttmann, 1942; Alajouanine e Lhermitte, 1965).
Por exemplo, Alajouanine e Lhermitte (1965) descobriram que as características
marcantes da afasia adquirida em crianças menores de 10 anos incluem diminuição
da compreensão, prejuízo severo da escrita e não-logorréia, parafasias ou
perseverações. Esses mesmos autores informaram que esse tipo de afasia em
crianças com mais de 10 anos de idade é a forma mais comum de afasia, com
parafasias, menor freqüência de problemas articulatórios, desintegração
fonética e distúrbios da linguagem escrita. Outros autores são de opinião que a
afasia não fluente é o tipo de afasia presente tanto em crianças mais velhas
com em mais novas (Basser, 1962; Benson, 1972; Assal e Campiche, 1973; Hecaen,
1976). Nos últimos anos, a descrição clássica sobre afasia adquirida na
infância tem sido questionada por estudos que provaram que a afasia fluente com
parafasias pode ser apresentada por crianças em estágio inicial.
As
crianças com lesões que envolvem o centro posterior da linguagem apresentam uma
menor freqüência de afasia fluente do que os adultos com o mesmo tipo de lesão.
A
ocorrência da redução na capacidade de expressão oral, escrita e gestual tem
sido relatada em crianças com afasia adquirida (Alajouanine e Lhermitte, 1965).
Estudos indicam que o mutismo é o primeiro sintoma que aparece nesse tio de
afasia.
Seguindo o período de mutismo, onde a fala retorna, encontramos frequentemente,
um período durante o qual a criança não se encontra disposta a falar (Guttmann,
1942; Alajouanine e Lhermitte, 1965). Esse período tem sido descrito como
representando uma perda ou redução da “iniciativa da fala” (Hecaen, 1976,
1983). São necessários aumento do incentivo e estímulo nesse período para que a
criança produza as palavras que formos capazes.
Aram
Ekelman e Whitaker (1986) estudaram a espontaneidade na sintaxe da fala de
16 crianças com lesões cerebrais adquiridas tanto no hemisfério esquerdo
como no direito e comparou os resultados com sujeitos de um grupo-controle
apropriadamente selecionados. Esses autores descobriram que crianças com lesão
unilateral no hemisfério esquerdo se encontram pior na produção de sintaxes
usadas (incluindo estruturas de sentenças simples e complexas) do que no
controle do assunto falado. Especificamente, as crianças com lesão nesse
hemisfério têm um período menor de compreensão das expressões baixo pontos no
desenvolvimento das seqüências, menor porcentagem do total das sentenças
corretas, menor número de verbos principais e interrogações, usam de poucas
sentenças com conjunções e têm uma boa porcentagem na produção das sentenças
complexas em comparação com as crianças do grupo-controle. Por outro lado, a
limitação da sintaxe das crianças com lesão no hemisfério direito causa
primeiramente erros na produção das sintaxes simples e são menos severos do que
os erros sintáticos encontrados em pessoas com lesão no lado esquerdo. Eles
apresentavam um período menor de compreensão das expressões, produziam maior
número de erros do desenvolvimento inicial da linguagem do que os sujeitos do
grupo-controle.
Embora
haja acordo de que os problemas de linguagem expressiva sejam comuns em
crianças com afasia adquirida, eles têm sido bastante debatidos nos últimos
anos no que diz respeito à presença de déficit na compreensão, nesse grupo de
crianças. A maioria das pesquisas recentes nesse campo considerou o prejuízo na
capacidade de compreensão como sendo raro em crianças com afasia adquirida
(Bernhardt, 19885; Guttmann, 1942). Alajouanine e Lhermitte (1965) relataram à
presença de prejuízo na compreensão em cerca de um terço dos casos analisados
por eles. Foi sugerido por Hecaen (1976, 1983) que, quando estão presentes
distúrbios na compreensão, ocorrem exclusivamente nos primeiros estágios e
desaparecem rapidamente e, em alguns casos, completamente.
A
diminuição verbal ou o empobrecimento do léxico é outro sintoma da afasia
adquirida na infância (Bernahrdt, 19885; Alajouanine e Lhermitte, 1965;
Collingnon, Hecaen e Anerlerques, 1968). Isso foi divulgado por Hecaen (1983)
como acontecendo em estágios mais avançados. Ele relatou que 44% da sua
amostragem tinham problemas de nomeação (não de parafasias), que tendem a
persistir. De fato, Hecaen (1983) observou que problemas de nomeação estão
normalmente presentes quando a criança volta à escola, e este problema é sempre
explicitamente mencionado nas suas avaliações escolares.
A
incerteza é logo notada na fala dessas crianças por vários autores (por
exemplo, Benhardt, 19885; Guttmann, 1942). É possível que isso seja resultado
da disartria às vezes encontrada nessas crianças (Gurrmann, 1942; Hecaen, 1976,
1983), ou o resultado de problemas na escolha das palavras que ocorrem nesses
casos.
Uma vaga desordem referida a
“problema na leitura” é frequentemente incluída pelos autores na lista de
sintomas característicos de uma afasia adquirida na infância. Alajouanine e
Lhermitte (1965), por exemplo, encontraram a presença de “problemas na leitura”
em 18 das 32 crianças estudadas. Infelizmente, a maioria dos estudos
encontrados nas literaturas não se tem esforçado para determinar a natureza do
distúrbio de leitura em todos os seus detalhes, mas somente em documentar as
conclusões.
O
déficit na escrita também é uma característica comum na afasia adquirida na
infância (Branco-Lefevre, 1950; Alajouanine e Lhermitte, 1965; Hecaen, 1976,
1983). Alajouanine e Lhermitte observaram que a linguagem escrita das 32
crianças estudadas por eles estava prejudicada, com distúrbio severo na escrita
espontânea, no ditado e em cópia em mais da metade das crianças testadas. Em 25
% dos casos, somente a cópia estava íntegra. Disortografia (os erros de escrita
eram frequentemente baseados em distúrbios fonéticos) era também encontrada em
escrita espontânea e no ditado de números (cinco em 32 casos). Hecaen
(1976) descreveu o distúrbio na escrita como sendo o mais freqüente, o mais
persistente e o mais variável de todos os sintomas dessa afasia.
A
afasia fluente foi estudada por Van Donen, Loonen e Van Donen (1985) em três
dos 27 casos de crianças com afasia adquirida que freqüentaram seus
consultórios por períodos maiores do que quatro anos. Seus estudos demonstram
que a afasia fluente que ocorre em adulto pode ocorrer em crianças menores de 10
anos e, consequentemente, eles mudaram suas visões de que a afasia adquirida é
sempre não-fluente e livre de parafasias. Embora essas três crianças tivessem
lesões posteriores, esses autores enfatizaram que a afasia fluente em crianças
nem sempre é resultado de lesões posteriores.
O caso
de afasia de Wernicke num garoto de 10 anos de idade resultante de um simples
herpes encefálico foi descrito por Van Hout e Lyon (1986). Os sintomas
existentes nesse caso eram semelhantes aos adultos com afasia de Wernicke e
incluía um déficit severo na compreensão, a produção de jargões, logorréia e
anosognosia.
Visch-Brink e Van de Sandt-Koenderman (1984) sugeriram que é possível a
presença ou não do neologismo na fala espontânea de crianças com afasia
adquirida, dependendo do estágio em que essas foram examinadas. Em seu estudo,
as crianças foram examinadas dentro de poucos dias e os neologismos
registrados. Por outro lado, Alajouanine e Lhermitte (1965) fizeram essas
observações em diversos meses após o problemas e não registraram a presença de
neologismo na fala espontânea das crianças. É possível, portanto, que pelo
tempo que os sujeitos foram estudados, o número de sintomas, incluindo a
presença de neologismo, tenha desaparecido.
RECUPERAÇÃO DA AFASIA ADQUIRIDA NA
INFÂNCIA
As
consequências das lesões cerebrais nas crianças são geralmente consideradas
como menos graves do que nos adultos (Basser, 1962; Teuber, 1975).
Consequentemente é geralmente aceito que o prognóstico para recuperação nas
crianças é bem melhor do que o esperado nos adultos (Guttmann, 1942; Basser,
1962; Alajouanine e Lhermitte, 1965; Lenneberg, 1967).
Outra
explicação dada para a freqüência de uma boa recuperação nas crianças com
afasia adquirida é de que ambos os hemisférios apresentam mecanismos para a
linguagem e, assim sendo, a linguagem não precisa ser reaprendida pelo
hemisfério não-dominante. Em circunstâncias normas, na maioria das crianças, os
mecanismos da linguagem no hemisfério direito são inibidos pelos do lado
esquerdo, já que somente o hemisfério esquerdo desenvolve as funções complexas
da linguagem de forma completa. De acordo com isso, o dano no hemisfério
esquerdo em crianças causa “um desengate na inibição” no hemisfério direito,
permitindo que este assuma um ótimo papel no funcionamento da linguagem.
Concomitantemente, os distúrbios neurológicos representam outra variável que
tem sido implicada como um fator que influencia na recuperação das crianças com
afasia adquirida. Como nos casos onde o prognóstico varia, os artigos da
literatura relatam à importância dos sinais neurológicos associados como sendo
prognóstico indicador, tendendo a ser contraditório. Lange-Cosack e Tepfner
(1973) afirmaram que é mínimo ou não-recorrente o número de pessoas com afasia
adquirida, que tenha ficado de coma por mais de sete dias. Por outro lado,
Hecaen (1976) questionou a importância do estado de coma na indicação do
prognóstico nesses casos; ele não conseguiu demonstrar a relação clara entre a
ocorrência e a duração do coma e a severidade e persistência do déficit de
linguagem.
Embora
um número de fatores diferentes tenha sido sugerido como sendo um prognóstico
significante nas afasias adquiridas, geralmente tem uma quantidade insuficiente
de informações disponíveis para determinar qual desses fatores são favoráveis
ou desfavoráveis para a recuperação.
AFASIA DE DIFERENTES ETIOLOGIAS
ADQUIRIDA NA INFÂNCIA
As
características clínicas gerais da afasia adquirida na infância, descritas
previamente, são em grande parte baseadas nos estudos com crianças afásicas de
várias etiologias, incluindo trauma, lesões vasculares, tumores, infecções e
distúrbios convulsivos. Assim como a etiologia influencia o prognóstico para
recuperação da função da linguagem, existem algumas evidências de que a
etiologia também tem uma influência importante no tipo de afasia apresentada.
Há uma possibilidade de verificar-se que os efeitos das lesões na linguagem com
começo demorado (tumores) não são os mesmos do que nas lesões com começo rápido
(acidentes vasculares cerebrais e traumatismo cerebral). Crianças que sofreram
traumatismo craniano, tipicamente, apresentam déficit expressivo da linguagem e
uma boa recuperação. Nos casos de afasia adquirida na infância, seguida de
lesão vascular, o prognóstico é pior e os sintomas da afasia, mais variáveis e
mais persistentes (Guttmann, 1942; Van Dongen e Loonen, 1977). Consequentemente
existe a necessidade de examinarem-se as características clínicas associadas à
afasia da infância, levando-se em consideração à etiologia.
CONCLUSÃO
Embora
se tenha acreditado, por um longo tempo, que a afasia adquirida na
infância era principalmente do tipo não-fluente, nos anos recentes acredita-se
que esse pensamento tenha mudado com estudos que vêm demonstrando que as
afasias fluentes podem ser observadas em crianças, se os exames da linguagem
forem feitos precocemente. Pode-se dizer, agora, que a etiologia não determina
o tipo de afasia em crianças. Claramente existe necessidade de
maiores investigações para maior esclarecimento das características específicas
dos déficits de fala-linguagem associados a vários distúrbios neurológicos que
podem causar afasia adquirida na infância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Assumpção Jr. F. b. & Curátolo E. Psiquiatria Infantil – Guia Prático;
Baruari, SP: Manole, 2004.
Murdoch B. E. Desenvolvimento
da Fala e Distúrbios da Linguagem – Uma abordagem neuroanatômica e
neurofisiológica; Rio de Janeiro, RJ. Revinter Ltda, 1997.
Lopes F. O. Tratado
de Fonoaudiologia; São Paulo, SP: ROCA, 1997.
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